Encontro discute situação de populações impactadas por projetos financiados pelo BNDES
 

Publicado em sexta-feira, 27 de novembro de 2009 às 10:39

 



Nos dias 23, 24 e 25 de novembro, foi realizado no Rio de Janeiro o seminário – “Atingidos - I Encontro Sulamericano de Populações Afetadas por Projetos Financiados pelo BNDES".
O objetivo do evento foi reunir e dar voz às populações que hoje estão com seus direitos violados e sofrem com os impactos da atuação do banco nos setores de papel e celulose, etanol, hidrelétrica, mineração, pecuária, portos, ferrovias, rodovias, gasodutos e mineriodutos. Participaram cerca de 250 companheiros de várias entidades e movimentos sociais.
No último dia, os companheiros, entre eles membros da diretoria do Suport-ES, seguiram para a porta do BNDES e uma comissão se reuniu com o presidente da entidade, Luciano Coutinho, para entregar uma série de reivindicações.
Eis a carta dos atingidos pelo BNDES a ser divulgada à sociedade, que resume as solicitações dos ativistas. Outro documento mais técnico e detalhado foi entregue ao presidente do BNDES.

CARTA DOS ATINGIDOS PELO BNDES

Somos indígenas, quilombolas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, trabalhadoras e trabalhadores do Brasil, Equador e Bolívia, reunidos no I Encontro Sul-Americano de Populações Impactadas por Projetos financiados pelo BNDES.

Somos, todas e todos, atingidos por estes projetos, sobre os quais nunca fomos consultados e que são apresentados para nós como empreendimentos que irão trazer progresso e desenvolvimento para o Brasil e para América do Sul.

São projetos financiados pelo BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, voltados para o monocultivo de cana de açúcar e eucalipto, para a produção insustentável de carne, para a exploração de minério, para a construção de fábricas de celulose, usinas de produção de agroenergia, siderúrgicas, hidrelétricas e obras de infraestrutura, como portos, ferrovias, rodovias, gasodutos e mineriodutos.

Estes têm afetado direta e profundamente nossas vidas, em especial as das mulheres, pois estamos sendo expulsos das nossas terras, estamos tendo nossas riquezas destroídas e contaminadas como os rios, florestas, o ar e o mar, dos quais dependemos para viver. Nossa saúde está afetada e está sendo ampliada de forma permanente a exploração sobre os povos dos países.

Os investimentos crescentes do BNDES, que apenas em 2009 podem ultrapassar os R$ 160 bilhões, estão utilizando recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e do Tesouro Nacional, e servindo para aumentar os lucros de um grupo reduzido de algumas dezenas de grandes empresas de capital nacional e internacional.

Enquanto isso, a apropriação por parte dessas empresas dos nossos territórios, da água, das florestas e da biodiversidade, ameaça não só a segurança alimentar das nossas comunidades, mas também a soberania alimentar, mineral e energética dos nossos países. Dessa forma, os financiamentos promovem uma integração da América do Sul, que se baseia em uma forte concentração do capital, no controle e na privatização de territórios de uso comum e na exportação dos bens naturais do nosso continente.

Por diversas vezes, buscamos as autoridades para protestar contra o financiamento do BNDES para estes projetos, mas nossos argumentos são invariavelmente desconsiderados. Na verdade, o que constatamos é o comprometimento da grande maioria do Executivo, Legislativo e Judiciário com a defesa destes projetos, que promovem a constante violação dos nossos direitos.

Enfrentamos cada vez mais dificuldades para a demarcação de nossas terras indígenas e quilombolas, a realização da reforma agrária e a obtenção de empregos com garantia de direitos, no campo e nas cidades. Denunciamos a verdadeira ofensiva de ameaças, perseguição e criminalização que estamos sofrendo, que já custou a vida de inúmeros companheiros e companheiras na luta pela defesa do nosso território, dos nossos rios, mares e matas.

Nossa troca de experiência explicita que há um bloco, formado por grandes empresas multinacionais, o Estado e os grandes meios de comunicação, que cria, promove e se beneficia dos projetos que o BNDES financia. O principal argumento do BNDES para justificar estes financiamentos - a geração de empregos – é falso.

Os projetos financiados destroem milhares de formas de trabalho nas comunidades impactadas e os empregos criados pelos financiamentos, que, além de insuficientes, aumentam a superexploração do trabalho, o que inclui muitas vezes a prática do trabalho escravo. As grandes obras de infraestrutura e a reestruturação dos processos produtivos, que automatizam e terceirizam a produção, afetam ainda mais os trabalhadores e as trabalhadoras. O resultado é um grande contingente de desempregados e lesionados, com direitos cada vez mais reduzidos.

Nossa luta é pela vida e contra a morte que os projetos do BNDES têm promovido através dos seus financiamentos. Lutamos por uma inversão da lógica de acumulação capitalista e do lucro, causadora da crise ambiental, climática, econômica e social que vivemos, de modo a garantir o respeito à dignidade e à diversidade dos modos de vida das populações sul-americanas.

Perante essa situação, nos comprometemos a:
- Prosseguir em nossa luta em defesa da nossa terra, ar e água, certos de que esta será a principal ferramenta para resistirmos aos projetos financiados pelo BNDES.
- Socializar com nossas comunidades e movimentos e com todo o povo dos nossos países todas as informações e denúncias relatadas neste encontro e incentivar o trabalho de formação nas nossas regiões no Brasil e na América do Sul sobre o papel do BNDES e dos governos que promovem o atual modelo, chamado de desenvolvimento, mas a serviço da acumulação de lucros de grandes empresas multinacionais.
- Articular e fortalecer cada vez mais nossas lutas contra os projetos de barragens, monoculturas, celulose, agrocombustíveis, agropecuária, mineração, infraestrutura e siderurgia, buscando fortalecer nossa resistência.
- Exigir do BNDES critérios socioambientais transparentes que não se restrinjam à legislação ambiental e ao “ambientalismo de mercado”, incorporando critérios de equidade que respeitem a diversidade dos modos de vida e de produção já existentes nos territórios. Além disso, exigimos o respeito aos direitos humanos e a aplicação com rigor de todos os tratados e convenções ratificados por nossos países.
- Denunciar as graves consequências destes projetos sobre os povos indígenas nos nossos países, apoiar e incentivar as suas lutas contra os projetos que destroem seus territórios, bem como exigir a imediata demarcação e desintrusão das terras indígenas.
- Fiscalizar as irregularidades das empresas financiadas pelo BNDES.
- Exigir do BNDES transparência e acesso irrestrito ao conjunto das informações dos financiamentos.
- Responsabilizar o BNDES e os governos pelos prejuízos causados pelos projetos que o banco financia e exigir a suspensão do financiamento a empresas que violam direitos, degradam o meio ambiente e as condições de trabalho.
- Fortalecer nossa luta por um projeto popular que possa gerar perspectivas para todos, e principalmente para a juventude, para que não abandonem nossos territórios ameaçados pelos projetos financiados pelo BNDES.
- Lutar, em nossos países, por uma forte integração dos povos, pela economia solidária, pelo respeito aos nossos direitos, pela garantia da nossa soberania, pelo bem-estar das comunidades e pela integridade dos nossos territórios.
- Exigimos que o BNDES seja um instrumento para fortalecer este novo projeto de sociedade.

Rio de Janeiro, 25 de novembro de 2009

: : Representantes do Espírito Santo de vários movimentos sociais e entidades:

Suport-ES
Jairo Silva
Guilherme V. Nascimento
Herval Nogueira Júnior
Robson Gonçalves

Rede Alerta Contra o Deserto Verde
Helder Gomes
Winfridus Gerardus Johannes (Winni)

Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
Moacir Firmino da Costa
Verônica Claudino
Natiele Batista Caetano

Movimento dos Sem Terra (MST)
Marcos Antônio T. Souza
Edvaldo Bento dos Santos

Mutilados
Paulo Henrique Nunes Resende
Wander Correia Braulino

Quilombola
Antonio Rodrigues
Joice Nascimento Cassiano

Pastoral da Juventude Rural (PJR)
Poliane Dias dos Santos
Laurinha Boldt

Indígena
Célia da Silva
Zulaine Solange Brisuela
Antônio Carvalho
Ronivaldo P. da Silva
Leonardo P. de Souza

Estudantes
Eduardo Barcelos
 
Fonte - Suport-ES