Sindicalistas transformam audiência no Senado em protesto contra a terceirização
 

Publicado em sexta-feira, 15 de maio de 2015 às 16:31

 
A audiência pública para discutir a terceirização, promovida nesta quinta (14) pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, se transformou em um protesto contra o Projeto de Lei (PL) 4.330/04 já aprovado a Câmara, que agora tramita no Senado tarimbado com o número de PL 30/15. “Mais do que uma audiência pública, este evento é um ato de unidade dos democratas e de todos aqueles que defendem os trabalhadores e os movimentos sociais do país”, sintetizou o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP).

De acordo com ele, o momento é dos setores progressistas se unirem e organizarem uma trincheira política que impeça a aprovação final do projeto que desregulamenta as relações trabalhistas em todas as atividades das empresas. “A terceirização só tem o objetivo de atender os senhores das senzalas do Brasil desde 1500”, afirmou. Randolfe lembrou que, conforme pesquisas internacionais, o Brasil é o sétimo país que pior remunera seus trabalhadores. “Se este projeto passar, seremos o pior”, projetou.

Presidente da CDH, o senador Paulo Paim (PT-RS) também criticou duramente não só o PL, como também os pretensos representantes dos trabalhadores – especificamente ligados à Força Sindical – que o estão apoiando. “Estamos esperando que vocês reflitam melhor sobre a posição que tomaram, estamos aguardando. Cerca de 80% dos casos de acidentes no trabalho envolvem terceirizados. Quem tem compromisso com a classe trabalhadora não pode apoiar isso”, alertou.

Participação popular garantida

Com o tema “Terceirização: a revogação da Lei Áurea e trabalho escravo”, o evento atraiu centenas de participantes. Ao contrário do que vem ocorrendo sistematicamente na Câmara, o público interessado em participar não teve a entrada barrada. A audiência foi deslocada para o auditório Petrônio Portella, com capacidade para 500 pessoas, com o intuito de abrigar a todos. Cartazes e faixas contra o PL 4330/2004 encheram o local. Palavras de ordem contra a terceirização foram proferidas sem repressão da polícia legislativa.

O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi aplaudido efusivamente quando chegou ao evento, ainda que atrasado mais de três horas. “O que nós podemos fazer, do ponto de vista do parlamento, é democratizar as discussões, é abrir o parlamento para que a sociedade organizada possa vir aqui discutir qualquer questão, seja lá qual for. O que não podemos, do ponto de vista do legislativo, é sonegar o debate e a discussão”, justificou.

Calheiros reafirmou sua posição contrária à regulamentação da terceirização das atividades-fim das empresas, o ponto mais controverso do projeto já aprovado pela Câmara, que agora tramita no Senado. “Não há como dizer que o parlamento não está devendo a regulamentação dos 12 milhões de terceirizados existentes, porque está. Agora, uma pergunta como consequência: nós devemos regulamentar a terceirização geral dos outros 40 milhões de trabalhadores? Não, nós não podemos. (...) Liberar geral a terceirização é precarizar de vez as nossas relações de trabalho. E nós não podemos concordar com isso. Há uma velha senhora, a CLT, que, mais do que nunca, precisa ser protegida”, afirmou.

Renan admitiu que a discussão sobre a terceirização total das relações de trabalho pode até ser válida, mas que não se sustenta sobre as alegações atuais de que protege direitos trabalhistas. “Nós temos que defender a industria nacional, porque o fim da industria nacional não interessa a ninguém. (...) Mas a industria já discutiu equivocamente, como sinônimo de produtividade, a elevação do câmbio. E a industria, agora, não pode achar, de forma nenhuma, que vai ter de volta a sua competitividade reduzindo o que se gasta com pessoal no país”, provocou.

Greve geral

À revelia da posição das representações classistas dos trabalhadores, o PL 4330/2004 foi aprovado pela Câmara de forma açodada e, agora, tramita no Senado. Para barrá-lo, as centrais sindicais convocam uma paralisação geral para o próximo dia 29/5. “Nós vamos trabalhar para pressionar o Senado a rever a atrocidade cometida pela Câmara”, justificou o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas.

Foi enfático ao afirmar que o PL é a tentativa de alguns conservadores de acabar com todo o arcabouço jurídico de defesa dos trabalhadores. “O PL 4330 revoga a CLT”, afirmou. Para o sindicalista, o projeto cria empresas sem trabalhadores e está situado na esteia do pensamento neoliberal de substituí-los por colaboradores. Algo que, segundo o dirigente sindical, já deu errado nos países em que foi implantado, como México, Chile e Nicarágua.

O presidente da CUT também questionou o modelo de desenvolvimento que estes setores conservadores querem implantar no país, a partir da precarização da mão de obra. “Nem a ditadura teve a ousadia de propor uma mudança tão danosa ao país como propõe esse congresso conservador”, comparou. “Não vai mais ter férias, décimo-terceiro salário, nem carteira assinada”, alertou.

Efeitos psíquicos

Professora de Direito do Trabalho da UnB, Gabriela Neves Delgado representou o pensamento preponderante na academia, contrário ao projeto. Segundo ela, a terceirização tem efeitos psíquicos danosos ao trabalhador , que perde sua identidade laboral e não pode mais planejar seu futuro e o de sua família, em função da instabilidade no trabalho, marcada pela alta rotatividade nos cargos. “Nós precisamos retomar e repensar o valor social do trabalho”, defendeu.

Professora da Unicamp e membro da coordenação do Fórum contra a Terceirização, criado desde 2011, Magda Biavaschi destacou o avanço do capitalismo predatório que tenta se desfazer de todos os obstáculos a sua incansável busca pelo lucro. Ela entregou ao senador Paim a proposta de regulamentação dos já terceirizados, que não precariza direitos dos contratados via CLT, defendida pelas centrais, sindicatos e movimentos sociais progressistas.

O senador afirmou que sua vontade, à frente da CLT, é simplesmente vetar o PL 30/15, mas se o conjunto da sociedade achar mais viável que seja apresentado um substitutivo, ele baseará sua proposta no projeto defendido pelo Fórum contra a Terceirização.

Visão escravocrata

Para o procurador do Trabalho, Helder Santos Amorim, o PL da Tercerização é um projeto de lógica e ideologia escravocrata, porque trata o resultado do trabalho como mera mercadoria, assim como eram tratados os escravos nos pelourinhos. Entretanto, ressaltou que, na versão atual, os escravos modernos ficam ainda mais desprotegidas, embora sob uma versão cinicamente mais civilizada. “Os escravocratas atuais não querem compromisso nem com a saúde e nem com a vida de seus escravos”, resaltou.

Ele lembrou que a posição já expressa pelo Ministério Público é contrária à constitucionalidade de qualquer matéria que venha permitir a terceirização das atividades-fim das empresas, como se propõe o agora PL 30/15. “Toda vez que se tenta dissociar o trabalhador do seu trabalho, transformando-o em mercadoria, estamos seguindo a lógica escravocrata”, reiterou.

A deputada Érika Kokay (PT-DF) lembrou que o Brasil não fez o devido luto dos seus períodos de total afronto aos direitos humanos, como foi o da escravidão. E, por isso, na visão dela, não absorveu as lições devidas. “Se tivéssemos feito o luto do período da escravidão, não teríamos esse PL 4330 tramitando, assim como não estaríamos discutindo na Comissão de Agricultura da Câmara a flexibilização do que é trabalho escravo”, alertou.

Segundo ela, o PL 4330 é um pelourinho metafórico, mas o projeto que flexibiliza o conceito de trabalho escravo é um pelourinho real. Ambos, portanto, devem ser combatidos pelos trabalhadores e seus representantes, que devem seguir alerta frente ao perigo de retrocesso inerente ao alto grau de conservadorismo do atual parlamento.

Agenda de lutas


Nesta sexta (15), os senadores membros da CDH discutem com os representantes das centrais sindicais uma agenda para promoção de audiências públicas sobre o tema nas diversas regiões do país. No próxima terça (19), o plenário realiza sessão temática para debater as terceirizações, aberta à participação dos movimentos sociais, centrais sindicais e sociedade organizada.
 
Fonte - Carta Maior