"Se Dilma quer sair desta crise, vai ter que mudar a política econômica"
 

Publicado em quarta-feira, 12 de agosto de 2015 às 15:29

 
O último informe da CEPAL sobre a América Latina é pessimista (0,5% de crescimento), e lapidário ao se referir ao Brasil (uma contração de 1,5%). O ajuste impulsado pela nova equipe econômica de Dilma Rousseff, desde a sua vitória eleitoral, no final do ano passado piorou uma situação complicada a nível internacional, pela queda do preço dos commodities, a desaceleração da China e o fraco desempenho da economia mundial, que continua sem poder escapar da sombra projetada pela crise financeira de 2008. Uma investigação do Center for Economic and Policy Research (CEPR) de Washington mostra que este panorama externo negativo foi menos prejudicial que a política aplicada pelo governo de Dilma Rousseff. O resultado das medidas adotadas é uma economia brasileira que, durante o primeiro período de governo de Rousseff, entre 2011 e 2014 cresceu 2,1% em média, comparando com o 4,4% entre 2004 e 2010, apesar de o período, durante a gestão de Lula da Silva, ter sido marcado pela recessão mundial de 2008-2009, com a qual o governo teve que lidar. Carta Maior dialogou com Mark Weisbrot, codiretor do CEPR, sobre as perspectivas da economia brasileira e o perigo de um aumento das taxas de juros nos Estados Unidos.


Carta Maior – A equipe econômica brasileira, encabeçada por Joaquim Levy, um ministro da Fazenda neoliberal, diz que é possível fazer um ajuste compatível com o crescimento econômico. Não é o que mostram os dados duros. A previsão é de que este ano o Brasil sofrerá uma contração de 1,5%. A a investigação do CEPR analisa profundamente as políticas contrativas postas em prática em seu primeiro mandato, e seu impacto negativo. Visto que, neste segundo período governamental, Rousseff aprofundou ainda mais essa política ortodoxa, o panorama não é muito animador para o Brasil, se não muda de rumo.

Mark Weisbrot – Efetivamente, as coisas pioraram no Brasil. Em 2010, a economia estava em desaceleração e, em resposta, o Banco Central iniciou um ciclo de aumentos das taxas de juro. Hoje, a taxa de juros se encontra sobre os 14%, um dos índices mais altos do mundo, e houve uma contração da demanda agregada, além de uma forte queda do investimento privado.

Esse processo de contração da demanda agregada já se percebia em 2011. Naquele ano, os investimentos públicos caíram 17,9% em termos reais, ajustados à inflação, e o das companhias estatais caiu em 7,8%. Mas há uma diferença com respeito ao que sucede hoje. Na primeira presidência de Dilma, havia uma tensão entre uma agenda econômica mais desenvolvimentista e outra mais neoliberal. Hoje, o rumo está muito mais definido a respeito do ajuste. Se Dilma Rousseff quer sair desta crise, vai ter que mudar de política.

CM – Se no primeiro governo havia uma tensão não resolvida entre dois modelos, por que Rousseff se decidiu pela variante neoliberal, que havia rejeitado claramente na campanha eleitoral, já que, como diz o seu estudo, não havia uma crise na balança de pagamentos, nem dados concretos que respaldassem uma possível eficácia da estratégia que finalmente foi a adotada?

Weisbrot – Isso deveria ser perguntado a ela. A realidade é que não era necessário seguir esse rumo. As reservas são bastante altas. O serviço da dívida é de 6% do PIB, um nível elevado, mas também autoinfligido: poderiam mudá-lo variando as taxas de juro. Se olharmos a evolução da dívida externa total, pública e privada, com relação às exportações, ela passou de 4,7% em 1999 a 1,27% em 2010 e 1,54% em 2014. E a dívida nominal em dólares caiu de 75% no começo do Governo Lula a 35% em 2010 e 40% em 2014. Até mesmo se tomamos em conta que houve uma ligeira piora de ambos os indicadores em 2014, a realidade é que se encontra em níveis muito mais administráveis que antes dos governos do PT. Nosso estudo mostra também que a queda da produção industrial não se explica por um processo de desindustrialização vinculado aos problemas das taxas de câmbio, como sustentam alguns, já que produção industrial cresceu em 2007-2008, e também em 2010, com um tipo de câmbio apreciado. A verdadeira razão foi essa queda do investimento total, privado e público, a qual me referia antes. Como disse, não sei porque Rousseff preferiu essa política, apesar desses dados, mas conheço a teoria que há por trás dessa decisão, que é a de criar confiança nos investidores através de um alça das taxas de juros capaz de conter a inflação e lhes dar um maior espaço para liberar o gasto fiscal. Tudo isso, insisto, apesar de que o Brasil não estava numa situação como a de 2003, quando havia restrição externa, que forçou uma política mais cautelosa. Uma vez que se aplicou a teoria do ajuste, sabemos onde isso vai dar: nunca ou quase nunca funciona. É o que vemos no Brasil, e também na Europa.

CM – Em julho, o governo anunciou uma redução da meta de superavit fiscal primário, de 1,1% a 0,15% do PBI. Dias antes desse anúncio, o ministro da Fazenda Joaquim Levy afirmou, em entrevista para a Folha de São Paulo, que não deveria haver uma redução nas metas. Em outras palavras, a política sendo determinante para anunciar essa medida, apesar da oposição do ministro. Você acredita numa mudança na relação forças internas?

Weisbrot – Pelo menos é um reconhecimento de que as coisas no estão marchando como se esperava. É um avanço, porque até agora havia uma negação do que estava acontecendo. É possível que seja o começo de uma mudança, mas ainda é cedo para afirmar isso. Acredito que uma mudança na politica econômica é crucial para a sobrevivência política de Rousseff. Se não alterar o rumo, vai haver mais desemprego e de aprofundará a recessão. Além disso, o ajuste tem consequências menos imediatas, mas maiores a longo prazo. O Brasil necessita muitos investimentos em infraestrutura, e esta política está afetando a capacidade de conseguir esses investimentos.

CM – A situação se complicou mais porque o dólar este ano poderia chegar a 3,48 reais. Nesse cenário, um aumento das taxas de juros nos Estados Unidos, que alguns dizem que poderia acontecer em setembro, poderia provocar uma fuga de capitais que aumentaria mais a pressão sobre o atual modelo brasileiro.

Weisbrot – É muito difícil dizer o que acontecerá com as taxas de juros nos Estados Unidos. Não vejo que exista uma justificativa para elevar as taxas, porque não há inflação, e não porque a atividade econômica esteja entusiasmando. Ainda assim, é difícil prever se o impacto que geraria um aumento das taxas seria uma fuga de capitais do Brasil para os Estados Unidos. Depende de quando sucede, se é um aumento muito grande ou não. Por exemplo, se sobe 0,25% no próximo ano é uma coisa. Pelo contrário, se os investidores enxergam nisso uma política mais profunda de elevação das taxas, o impacto pode ser maior. O risco existe. A meu ver, no caso de se concretizar essa previsão (da relação entre o dólar e o real), o aumento das taxas de juros será mais gradual.

Tradução: Victor Farinelli
 
Fonte - Carta Maior