A tortura policial e a militarização da sociedade
 

Publicado em sexta-feira, 20 de novembro de 2015 às 16:49

 
A Estrutura de Obediência

Considere o seguinte cenário. Um policial diz a uma pessoa para ficar parada, ou para se sentar, ou para deitar-se no chão com o rosto para baixo. A pessoa começa a se afastar, e é presa. Embora isso possa ser uma breve descrição jornalística, tem enormes ramificações políticas.

Vamos analisar um exemplo específico, visto nacionalmente na própria câmera de vídeo de um oficial. Primeiro, a versão jornalística: uma mulher negra, grávida, que acabara de trazer a filha para a escola, é abordada por um policial. Ele pede seus documentos. Ela se recusa, dá um único passo para se afastar, e então é agarrada e presa. Agora, a versão real: um policial se aproxima de uma mulher negra, depois de ter sido informado sobre uma briga entre ela e uma mulher branca, mas ele ignora a mulher branca. Esta mulher negra, que acabara de trazer a filha pra escola, está grávida. Ele pede pelos documentos. Ela responde (corretamente) que não acha que tem que mostrar nada e questiona o fato de ter sido abordada para começo de conversa. Ela diz que vai chamar um amigo para afirmar seus direitos. Dez segundos depois, durante o telefonema, ela dá um passo para longe dele, e ele a agarra pela manga. Ela diz "não me toque", e se afasta. Ele então a derruba no chão, com o joelho em suas costas, ignorando o fato de que ela está grávida, até algemá-la pelas costas. Ela foi presa. Um passo foi o suficiente.

A versão jornalística enfoca a mulher, que é abordada por algum motivo. Na versão realista, o policial atua sobre uma pessoa negra, e não sobre uma pessoa branca, embora esta pessoa negra apenas esteja ali. O fato de ser negra é destacado com importância, e o fato de estar grávida é ignorado. Ela é um objeto, e não um ser humano e uma mulher. Ela não tem o direito de se opor a ele. O policial criou toda uma situação que precede sua reação de jogá-la no chão e de algemá-la.

Mesmo se uma pessoa estiver sentada em seu carro, esse mesmo cenário pode se desdobrar. O policial pode mandar que a pessoa saia de seu carro, para que possa então jogá-la no chão e algemá-la. (Isto aconteceu com Sandra Bland, no Texas, que acabou morta quando sob custódia). O ato de jogar uma pessoa no chão tornou-se uma resposta rotineira para o ato de questionar a abordagem de um oficial. Dizer, hipoteticamente, que "você não tem nenhuma razão para me abordar", significa se arriscar a ser jogado no chão e algemado. Este paradigma é tão frequente, em todo o país, que não pode ser considerado qualquer coisa, mas uma resposta treinada, de rotina.

O próximo nível, nessa rotina, parece ser o de atirar na pessoa quando ela tenta se afastar. Centenas de pessoas, em sua maioria negras e pardas, foram alvejadas nas costas, justamente por se afastar de uma abordagem policial arbitrária (por exemplo Yuvette Henderson, em janeiro de 2015, Emeryville).

Existe uma expressão retórica que a polícia usa para se justificar quando joga uma pessoa no chão e a algema. "O sujeito não cooperou". Já quando uma pessoa tenta se afastar do policial e acaba levando um tiro, a expressão é: "Eu me senti ameaçado". Assim, há um pressuposto importante do policial em ambos os casos. De que ele pode desempenhar o papel de um comandante, como se estivesse em uma instituição militar, e de que os civis na rua devem responder com a obediência de um membro do pelotão. Somente no serviço militar a exigência por "cooperação" é absoluta.

Na linguagem da sociedade civil, jogar uma pessoa no chão é uma violência. Ajoelhar-se nas costas de alguém é tortura. Algemar uma pessoa, a fim de restringir sua autonomia e auto-estima, é uma violação da ética democrática, bem como do devido processo constitucional. Atirar em alguém por trás é assassinato. No entanto, essas ações criminosas se tornaram resposta de rotina a uma falha de obediência. Questionar ou discordar de um policial remonta a desobediência, e pode resultar em punição imediata.

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Fonte - Carta Maior