Retrato da agricultura familiar em Rondônia
 

Publicado em terça-feira, 19 de abril de 2016 às 17:16

 
Mirante da Serra (RO) - O projeto Promovendo Agroecologia em Rede, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), com apoio do BNDES e Fundação Banco do Brasil cumpriu a última etapa do ciclo de caravanas e da apresentação dos resultados da pesquisa do funcionamento dos núcleos sociais envolvidos na atividade. O estudo envolve 18 casos em todos o país e no caso da Amazônia com uma diferença: um núcleo familiar e um coletivo, do Assentamento 14 de agosto, composto por 10 famílias. Além disso, foram pesquisados dois outros núcleos em Santarém, no Pará.

É um longo percurso, envolvendo muitos territórios no país e que acumula uma quantidade de informações ainda inéditas na agroecologia brasileira. A metodologia aplicada já vem sendo testada pela AS-PTA no nordeste, mas é a primeira vez que os estudos são estendidos a regiões como o Pantanal, a região metropolitana do Rio de Janeiro, Chapada do Araripe, Litoral Norte do RS, Rondônia e Pará. O material será convertido em uma cartilha e um resumo da pesquisa será disponibilizado em pouco tempo.

Saiu do MT porque o fazendeiro queria a terra

A família do seu Onofre Américo Costa, agora viúvo, composta por 11 filhos, a maioria trabalhando em outras atividades – somente dois permanecem no sítio Cruzeiro do Oeste – é um retrato da agricultura familiar em Rondônia. Mineiro, de São João do Oriente, seu Onofre primeiro migrou para São Paulo, onde trabalhou como carpinteiro, enquanto dona Lazinha e os filhos trabalhavam na terra que era do avô. Depois migrou para o Mato Grosso e em 1984 para Rondônia. Saiu do MT porque o fazendeiro vizinho estava pressionando para comprar o sítio. Comprou 21 alqueires em Mirante da Serra, pagou uma parte com a venda da terra e outra com o plantio de arroz na nova área.


O sítio Cruzeiro do Oeste era o refúgio dos sem terra quando começou a ocupação da fazenda Urupá, hoje Assentamento Padre Ezequiel. Quando os sem terra eram despejados, ou quando precisavam se esconder dos pistoleiros e da polícia buscavam o refúgio ali. Durante muitos anos, a família deixou de comparecer às festas em Mirante da Serra com medo dos pistoleiros, ou por temer represálias.

Diversificação da produção

A família Costa sempre participou das atividades políticas, do sindicato dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, das pastorais da igreja e dos movimentos sociais como MST e MPA. Uma das filhas estudou medicina em Cuba e voltou a Rondônia. Francisco Costa, conhecido como Chicão é um dos autores da pesquisa juntamente com a consultora Denyse Mello, Renata Garcia, Valdenir e Milaine Lopes. A área do sítio Cruzeiro do Oeste é de 44,5 hectares, trata-se de um agroecossistema em transição agroecológia e é constituído de oito subsistemas: mata, capoeira, SAFs, pastagem, cana-de-açúcar, consórcio de café e bandarra (Paricá), piscicultura e quintal.

No quintal produzem verduras e legumes, como inhame, acelga, alface, taioba, almeirão, cheiro verde, além da criação de galinhas. Na pastagem gado leiteiro, suíno e caprinos; na capoeira palmito de pupunha e abacate; no Sistema Agroflorestal produzem cacau, cupuaçu, banana, araçá, acerola, café, pupunha (fruto e palmito); no subsistema cana-de-açúcar rapadura, melado e açúcar mascavo; no consórcio café e bandarra; na mata madeira de ipê entre muitas outras espécies e na piscicultura produzem pirarucu.

Padrão dominante: pecuária, café e cacau

A área de floresta corresponde a 33,5 há, é a reserva de recursos naturais, embora já tenha ocorrido exploração madeireira antes da família ter a posse. Os madeireiros na Amazônia sempre chegam à frente, derrubam o que tem mais valor, depois entregam para outros, que normalmente derrubam o resto, queimam e depois plantam braquiária, o capim africano que domina no estado. A opção pelo agroecológico ocorreu nos últimos anos, em função das capacitações do projeto Padre Ezequiel na região, que desde o final dos anos 1980 divulga a agroecologia como forma de produção. Um trecho da pesquisa da ANA:

“- O terceiro ciclo de vida da família iniciou-se com a mudança para Rondônia. Inicialmente o ciclo caracterizou-se pelo aumento do capital, tamanho da terra adquirida, intensificação da participação nas organizações sociais e políticas do território, enfrentamento de conflitos agrários. O padrão de desenvolvimento dominante no território era claramente direcionado a desestabilização da agricultura familiar pelo estabelecimento de sistemas produtivos para pecuária de corte, monocultivo de café e cacau liderado pelo produtivismo do mercado de commodities e uso intensivo de agrotóxicos. A participação da família na forte organização social mudou essa debilitação para diversificação, com multiatividades, restabelecendo a fundamentação da agricultura com a natureza, por meio de novas formas de cooperação local”.

Desde 1996 não usam agrotóxicos

A partir de 1995 começam o processo de diversificação da produção no sítio Cruzeiro do Oeste, com os sistemas agroflorestais utilizando mudas dos viveiros da Comissão Pastoral da Terra. Desde 1996 não utilizam mais agrotóxicos, buscam diversificar o quintal e a consorciação do café. Em 2011 conseguiram produzir uma tonelada de rapadura e aumentaram a área da cana-de-açúcar.

“- A família vem adquirindo bens duráveis ao longo dos anos. São infraestruturas e equipamentos utilizados no manejo das atividades, beneficiamento de produtos, e transporte. Em 1988 são beneficiados com projeto da máquina de arroz pelo fundo rotativo da diocese. Em 1996 compra um transformador de energia. Em 2000 conseguem comprar uma motosserra e uma motocicleta. Do período de 2003 a 2013 outras infraestruturas são adquiridas: constroem o curral, agroindústria familiar, fonte d’água da propriedade, despolpadora de frutas e um forno industrial. Em 2013, com a chegada do Programa Luz para Todos eles adquiriram eletrificação pública”, registra a pesquisa do projeto Promovendo Agroecologia em Rede.

Valor agregado fica na propriedade

Em 2010 a família Costa consegue a primeira venda da sua produção nos programas do governo federal PAA e PNAE – de rapadura, café, carne animal, polpa de frutas. Em 2012, participam da Feira de Produtos Agroecológicos de Mirante da Serra, que completou quatro anos. A pesquisa da ANA ainda relaciona a participação da mulher, que nesta caso é ativa na formação da renda, mas ainda restrita a algumas atividades. A renda total da família, que envolve na verdade duas outras famílias tem participação majoritária das pluriatividades – salário de professora, venda de perfumes e biscoitos, aposentadorias e bolsa família.

No caso deles o mais importante, com a saída da maioria dos filhos para atividades urbanas, é que a apropriação do valor agregado, com o uso de equipamentos e beneficiamento de produtos, fica retida na propriedade. A dependência externa também cada vez mais tende a diminuir, como a compra de insumos – ração, sementes, por exemplo. A agroecologia envolve a produção de alimentos sem contaminação, com a preservação dos recursos naturais, com a independência dos sistemas implantados e com a divisão do trabalho e renda entre homens, mulheres e jovens. Esta é a batalha que a pesquisa retratou em várias regiões do país e expressa uma visão reforçada do significado de se ter um sistema produtivo livre de venenos e com participação social e com resultados econômicos, que não se medem apenas pela renda monetária, mas também pelo autoconsumo e pelas trocas na comunidade.

 
Fonte - Carta Maior