Os privilegiados da Previdência Social
 

Publicado em segunda-feira, 3 de junho de 2019 às 15:19

 
Estamos vivendo sob o terrorismo de mercado e a cada dia surge um diagnóstico mais alarmante sob os impactos na economia caso a reforma da previdência não seja aprovada. O discurso mais comum é de que país vai quebrar. Embora não se encontre nenhum fundamento nesta retórica, mas ela é tão amplamente repetida pelos meios de comunicação e pelos comunicadores milionários contratos a peso de ouro para fazer propaganda favorável que parcela da sociedade começa a se ver como um privilegiado porque recebe até R$ 1.400 de benefício.

Conforme matéria divulgada pelo “Brasil de Fato” no último dia 13 de maio, o governo está desembolsando R$ 40 milhões na forma de cachês pagos a um seleto grupo de milionários que nunca passaram por perto de um posto de INSS para fazer propaganda em defesa da reforma.

Esse grupo de milionários foi contratado por cachês que oscilam entre R$ 100 mil e R$ 3 milhões, conforme reportagem. Se eles acreditam tanto na reforma da previdência e de que ela não afetará os mais pobres e combaterá privilégios por que não fazem de graça e por que o governo tem tanta dificuldade em convencer a população. A verdade é que a reforma só atinge os mais pobres e vulneráveis, aqueles que recebem até dois salários mínimos e vivem com benefícios que não ultrapassam R$ 1.400.

É o mesmo discurso que aprovou em 2016 a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, aprovou a reforma trabalhista em 2017 com a promessa de gerar milhões de postos de trabalho e nada disso aconteceu. O resultado está exposto nos indicadores pífios que a economia vem apresentando desde 2015 sem sinais de recuperação.

Nos últimos quatro anos (2014-2018) o desemprego mais que triplicou. O desemprego entre as mulheres negras cresceu 100% e entre as brancas aumentou 74%. O desemprego também afeta mais as mulheres acima de 40 anos: entre 2014 e 2018 o desemprego cresceu 132% para as mulheres entre 40-49 anos; 154% entre 50-59 anos e 137% com 60 anos ou mais; a reforma promete emprego até 80 anos!
Com isso, o que tem se verificado é uma queda expressiva das contribuições previdenciárias. Do total de pessoas no mercado de trabalho tem-se que 37% não contribuem para a previdência e entre as mulheres negras o percentual é de mais de 41,4% e entre os homens negros chega a 44,2%. São 34,3 milhões de pessoas na informalidade ou no trabalho por conta própria.

Não se pode falar de privilegiados quando 35% das mulheres que se encontravam no mercado de trabalho recebiam em 2018 até 1 salário mínimo, entre os homens o percentual era de 26%. Pouco mais de 1% dos benefícios pagos corresponde ao teto previdenciário.

Outra mentira que nos contam é sobre o aumento descontrolado das emissões de benefícios. Já há alguns anos vem se dificultando o acesso aos benefícios com diferentes justificativas, isso faz com que haja uma queda na concessão dos benefícios. Quando se compara 2018 com 2013 para os rurais caiu 8,24% e para os urbanos cresceu apenas 2,36%.

A maioria das mulheres se aposenta por idade (60 anos para as urbanas e 55 anos para as rurais). Em março de 2019, do total de benefícios concedidos: 52,1% por idade; 29,4% por invalidez e apenas 18,5% por tempo de contribuição. As mulheres quando chegam aos 60 anos alcançam, em média, 18 anos de contribuição. A reforma propõe no mínimo 20 anos de contribuição para ter acesso a 60% da média das contribuições dos últimos 20 anos. Já entre os homens 40% dos benefícios concedidos foram por invalidez, 32% por idade e 28% por tempo de contribuição. O benefício por invalidez é reflexo de uma sociedade doente, os ambientes de trabalho são altamente periculosos – o Brasil é recordista mundial em acidentes de trabalho –, e agora não satisfeitos querem reduzir os mecanismos de fiscalização e alterar as normas regulamentadoras – NR´s.

Na medida em que a idade avança também cai o valor dos benefícios entre as mulheres, de R$ 1.347,17 entre 56-60 anos para R$ 1.160,90 acima de 70 anos (dados da Previdência Social de março de 2019). O auxílio doença representa a maior quantidade de benefícios: ele é superior aos benefícios de aposentadorias somados, corresponde a 47,4% e a maior parte se refere a doenças adquiridas no ambiente de trabalho.

Portanto, os benefícios previdenciários estão longe de se resumir ou reduzir apenas aos benefícios para aposentadoria. O que está acontecendo: pressões para que as aposentadorias por invalidez sejam revistas e pessoas sem condições para retornar ao trabalho estão recebendo alta do INSS; demora na concessão dos benefícios; não reconhecimento do trabalho rural para concessão do benefício. Estão se construindo formas de dificultar o acesso e desmontando nosso sistema de seguridade social em que previdência social faz parte por dentro.

Por que insistimos que é preciso manter a diferenciação de idade e tempo de contribuição entre os gêneros? As estatísticas demonstram que as mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelos afazeres domésticos e de cuidados. Recente pesquisa divulgada pelo IBGE para o ano de 2018 indica que 95,5% das mulheres declararam preparar, servir alimentos, arrumar a mesa ou lavar louça, enquanto entre os homens o percentual era de 60,8%. A jornada no trabalho reprodutivo cresce na medida em que as mulheres pertencem a famílias mais pobres. Da mesma forma em que os dados de 2018 indicam que os homens dedicam apenas 10 horas semanais para as tarefas de casa, enquanto as mulheres dedicam o dobro, mais de 20 horas.

Por fim, a reforma da previdência altera perspectiva de vida das pessoas, realizações, decisões sobre família, estudos, sonhos. As famílias monoparentais estão se ampliando, o que implica em que apenas um adulto é responsável, o que implica em certas escolhas como a decisão de constituir família, ter filhos. O não acesso a licença-maternidade tem implicações profundas em nossa sociedade, uma vez que as mulheres diante da ausência do benefício da licença maternidade postergarão ou simplesmente abandonarão a perspectiva de formar uma família. São sob esses aspectos que precisamos analisar o impacto do desmonte da previdência e não pelos números frios e pelo equilíbrio fiscal.


 
Fonte - FNP/Rádio Peão Brasil